Em muitos condomínios, por vezes, sou questionado sobre a possibilidade do corte de água em caso de inadimplemento do condômino, demonstrando ser uma questão muito controvertida e sem um posicionamento claro entre os juristas e o dia a dia dos síndicos em todos os condomínios.
Se de um lado, temos o direito do Condomínio em não desequilibrar o rateio do pagamento do fornecimento de água, gerando a possibilidade da supressão do fornecimento da água para os condôminos que não tiverem em dia com suas contribuições, evitando um desequilíbrio e a causa de uma cobrança à maior aos adimplentes.
De outro, temos o direito inalienável do condômino, morador, que não pode ficar sem o fornecimento de água, por meio de sua subsistência e qualidade de vida, demonstrando um abuso do poder do Condomínio em suprimir o fornecimento da água em caso de inadimplência, se outra possibilidade de cobrança há, tal como processo judicial e bloqueio de bens.
Aos que se posicionam favoráveis ao corte de água em caso de inadimplemento, orientam aos síndicos, num primeiro momento, avaliar se na Convenção do Condomínio não há vedação expressa sobre a supressão da água e, não havendo, levar a questão à Assembleia para aprovação e, caso seja aprovado, comunicar em local visível à todos os condôminos sobre o início do cômputo da inadimplência para o efetivo corte de água, evitando gerar cortes para débitos anteriores, evitando alegações de desconhecimento.
Nesse sentido, caso haja a aprovação em Assembleia, observados os quóruns contidos nos artigos 1.352 e 1.353, do Código Civil e observados os detalhes acima elencados, haverá o início da supressão da água aos inadimplentes, havendo, inclusive, decisões na justiça favoráveis ao corte da água quando observados os detalhes mencionados, observando que a relação Condomínio e Condômino não é regida pelo direito do consumidor, o que permite tal medida.
Por outro lado, ainda que revestido de cuidados mencionados, especialistas tendem à não orientar a utilizar tal meio de cobrança de débitos dos condôminos, haja vista o risco de uma reversão da situação, em que o condômino, ao sofrer a supressão de sua água por inadimplência, comprova na justiça que tal supressão gerou um grave dano a algum patrimônio contido em sua residência, ou prejudicou a saúde de algum ente querido morador de sua unidade, gerando com isso uma indenização por danos morais em favor do condômino que, consequentemente terá que ser rateado entre todos os os moradores, gerando um custo surpresa ao condomínio.
Independente da decisão tomada pelo Síndico, é importante estar revestido de uma boa consultoria jurídica, não para evitar e proteger todos os riscos da tomada da decisão, mas para diminuir e quantificar tais riscos, facilitando ao síndico eventual prestação de contas perante aos condôminos.
Jurisprudência sobre corte de água
Aprovada a individualização de água e fixado em assembleia o prazo para pagamento, a suspensão no fornecimento de água (corte) em desfavor do condômino inadimplente é medida inteiramente lícita.
Tal ação objetiva assegurar a saúde econômica do condomínio, prevalecendo o interesse coletivo sobre o interesse individual, já que a inadimplência de apenas um condômino sujeita toda a coletividade a ficar sem o fornecimento de água, já que não arrecadado o valor total da conta, a concessionária não punirá com o corte somente o condômino inadimplente, mas sim todos os condôminos, incluindo os adimplentes, pois em regra, o hidrômetro (relógio) é central e único.
Em que pese posições minoritárias em sentido contrário, não é da concessionária ou do Estado, a exclusividade pelo corte no fornecimento de água, ou seja, o condomínio ou administradora pode cortar se autorizados por assembleia. Isto porque, o Estado tem o monopólio do fornecimento da água e seu corte, através de cobrança realizada pelo hidrômetro (relógio) central.
Já nos relógios individuais, situados na parte interna do condomínio, a gestão é da administração condominial, que não é obrigada a graciosamente fornecê-la aos condôminos. A contraprestação é necessária.
No mesmo julgado antes citado (TJSP – Agravo de Instrumento n.º 0228357-89.2012.8.26.0000), assentou-se: “Nessa perspectiva, portanto, o que se pode dizer é que, perante a concessionária, o condomínio é o responsável pelo pagamento da tarifa. Mas, em relação a cada condômino, tem o direito de receber o valor referente ao consumo individualizado, que é objeto de um rateio específico e, portanto, constitui despesa condominial (…) De outra parte, não se vislumbra verdadeira ofensa a qualquer norma constitucional. Não se pode obrigar a coletividade dos condôminos a arcar indefinidamente com a responsabilidade de efetuar o pagamento das despesas de consumo, reiteradamente inadimplidas pelos titulares da unidade. Não incumbe aos demais condôminos qualquer responsabilidade pela prestação de assistência social em favor dos autores e, exatamente por isso não, vingam os argumentos apresentados para justificar o desfrute da continuidade do consumo de água indefinidamente, às custas da comunidade condominial.”
Não há qualquer obrigação de que o condomínio forneça a água sem o devido pagamento por parte do condômino, consoante disposição constitucional, decorrente do princípio da legalidade (art. 5º, II da Constituição Federal de 1988).
Note-se que o condomínio não se sujeita ao Direito Público, ou seja, não faz somente o que a lei autoriza (legalidade estrita – art. 37 caput da Constituição Federal de 1988), mas sujeita-se ao regime de Direito Privado, e faz tudo aquilo que a lei não proíbe. Inexistindo proibição legal, é permitida a conduta de cortar a água, pois não há obrigação de redistribuí-la gratuitamente aos condôminos.
Por isso, entende-se que a Lei Federal 8.987/95 que autoriza expressamente o corte (art. 6º, §3º, II), não pode ser utilizada para se afirmar que é providência de monopólio do Estado, por não existir vedação expressa neste sentido.
E eventual cenário de dúvida por suposta colisão de direitos, há de ser decidido em favor da coletividade condominial.
Neste contexto, acerca da relação condominial, bem assentou o Ilustre Relator Des. CAMPOS PETRONI, no julgamento do Agravo de Instrumento 1053816-0/5 da 27° Câmara de Direito Privado do TJSP: “(…) Se dúvida houvesse, deveria ser resolvida em favor da comunidade condominial, isto é, da maioria (…)”.
O mencionado entendimento foi extraído de Acórdão dos autos indicado, e lá, referia-se à “legitimidade passiva” do condômino, mas ante o brilhantismo do princípio ensinado relativo a relação condominial, cumpre-nos citar.
E mais, o Código de Defesa do Consumidor que em tese vedaria a descontinuidade, não se aplica a relação entre condomínio e condômino.
Neste sentido temos pacificados entendimentos do Superior Tribunal de Justiça – STJ – REsp 441.873/DF, j. em 19/09/06; REsp 564.770/PR, j. em 14/06/04 (RJADCOAS 61/82); REsp 203.254/SP, j. em 06/12/99, afastando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a esta relação jurídica.
Mas é importante salientar que o corte deve ser precedido de prévio aviso ao condômino inadimplente, e de acordo com regras fixadas previamente em assembleia, para débitos não pretéritos, ou seja, somente não se poderia admitir corte não aprovado em assembleia, sem prévio aviso e para débitos antigos e consolidados.
Note-se que quando se fala de débitos pretéritos e consolidados, diz-se que o corte só não é possível por dívidas antigas, quando as atuais estão adimplidas. Todavia, com atrasos dos meses atuais, existindo ou não débitos antigos, o corte é providência adequada.
Enfim, o corte de água realizado por condomínio contra condômino inadimplente, com as ressalvas dos parágrafos anteriores, é providência lícita e não viola qualquer norma jurídica vigente, estando respaldada na Constituição Cidadã (art. 5º, II).
Citamos algumas decisões de primeiro grau em casos semelhantes, cujos termos e fundamentos invocamos: “A parte autora admite inadimplência quanto ao boleto condominial com vencimento ordinário em junho de 2010. Destarte, desponta, prima facie, que a inadimplência da parte autora teria motivado o corte no fornecimento do serviço de água, de sorte que infringido dever pelo condômino (art. 1336, I, do Código Civil), entende-se, em princípio, lícito ao Condomínio, com a devida vênia, o corte no fornecimento ao inadimplente quanto a utilidades ou serviços indistintamente fornecidos a todos, na fruição da coisa comum, para não onerar indevidamente aqueles que regularmente pagam suas obrigações e arcarão com o custeio de valores de serviços e utilidades não pagos pelos inadimplentes, não se olvidando que dentre estas utilidades e serviços também se enquadra o fornecimento de água (…)”PROCESSO: 007.10.024238-0. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM 20/07/10. MM. JUIZ DE DIREITO DR. IVAN N. DE SOUZA. VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DO FORO REG. DE ITAQUERA DA COMARCA DE SP. “(…) Quanto ao corte do fornecimento, ao contrário do alegado, o autor tinha plena ciência da sua inadimplência, bem como do risco de suspensão do serviço, uma vez que aprovada a medida em assembleia. (…) Assim, em que pese a essencialidade do serviço, certo é que não possui a natureza gratuita, sendo de rigor a contraprestação pelo consumo, sob pena de suspensão do fornecimento. Observo que entre as partes não existe qualquer relação de consumo, mesmo porque a requerida não se caracteriza como fornecedora nos termos do CDC, mas age no interesse exclusivo da coletividade de condôminos, prejudicada pela conduta do autor. Quanto aos danos morais, não bastasse a regularidade da conduta adotada pela ré no caso concreto, os meros aborrecimentos e desconfortos, como no caso presente, não justificam a imposição de sanção indenizatória, visto que, segundo melhor doutrina, o dano moral indenizável é apenas aquele que foge à normalidade cotidiana, sob pena de enriquecimento sem causa e banalização do instituto jurídico (…)” PROCESSO: 0009916-64.2010.8.26.0016. JULGADO EM 10/02/11. MM. JUIZ DE DIREITO DR. GUILHERME S. E SOUZA. VARA DO JUIZADO ITINERANTE PERMANENTE DA COMARCA DE SP.
Portanto, a atitude do Condomínio em suspender o fornecimento de água ao condômino inadimplente e totalmente cabível, por prevalência do bem comum sobre o individual.
O TJSP tem julgado lícito o corte realizado por condomínio. Vejamos: A 3ª Turma Cível do Colégio Recursal da Penha de França, no julgamento do AI 0002107-94.2011.8.26.9002, Comarca de São Paulo, em 30/11/11, por votação unânime considerou lícito o corte de água efetivado por condomínio, tendo participado do julgamento os Juízes Alberto Gibin Villela (Relator), Jorge Tosta (Presidente) e Patrícia Soares de Albuquerque. Acórdão inteiro teor, em anexo.
Esta é a mesma posição da 5ª Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de São Paulo: RI 0011064-97.2011.8.26.0009 (j. 26/05/14, v.u.).
Também entendem em mesmo sentido: 1ª Turma Recursal Cível e Criminal do Colégio Recursal de São Paulo: AI 0000149-55.2011.8.26.9008 (j. 27/10/11, v.u.); 4ª Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de São Paulo: RI 0233178-23.2009.8.26.0007 (j. 31/08/11, v.u.); 2ª Turma Recursal Cível e Criminal do Colégio Recursal da Penha de França: RI 0000872-09.2014.8.26.0007 (j. 10/10/14, v.u.); 1ª Turma Recursal Cível e Criminal do Colégio Recursal da Penha de França: RI 0030580-41.2013.8.26.0007 (j. 29/08/14, v.u.).
Aliás, na mesma linha ainda temos: TJSP 32ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, j. em 20/08/15, Rel. Des. CAIO MARCELO MENDES DE OLIVEIRA, v.u.; TJS 7ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, j. em 30/07/15, Rel. Des. JOSÉ RUBENS QUEIROZ GOMES, v.u.
E esta também vem sendo a decisão de outros Tribunais: TJDFT 2ª Tur., Apelação 2002.06.1.004893-8, Rel. Des. J. J. Costa Carvalho; TJDFT 3ª Tur., Apelação 2006.06.1.006984-0, Rel. Des. Mário-Zam Belmiro Rosa; TJPR 9ª Câm. Cível, Apelação 0448710-3, Rel. Des. Antonio Ivair Reinaldin.